#16: Para aqueles que ainda estão vivos
"So make the friendship bracelets, take the moment and taste it. You've got no reason to be afraid"
No último dia 13, foi o evento da premiação que Caoticamente Clara estava concorrendo. E eu ainda estou tentando absorver tudo o que aconteceu para que eu chegasse ali, no meio da bienal, ouvindo pessoas que admiro falar o que acharam de um livro meu.
Como eu disse na última newsletter, toda a experiência foi surreal, e eu ainda me pego perguntando se aconteceu de verdade. Foram mais de 1600 obras inscritas e, considerando que eu me movo muito pouco para divulgar meus livros, dizer que foi surpresa é basicamente um eufemismo.
Alguns leitores sempre me perguntam por que eu nunca divulgo minhas histórias – é que eu geralmente escrevo para mim, e no meio do caminho torço para que outras pessoas encontrem as minhas palavras e façam eco da minha mensagem. Não quero mudar o mundo com minhas histórias. Não quero provar um ponto. Quero discutir saúde mental, mas tenho plena consciência do quanto discutir saúde mental é difícil – existe uma linha tênue entre ser generalista x preciosista, didática x pedante, e encontrar o tom é a maior dificuldade de um psicólogo que produz conteúdo de algum tipo.
Isso acontece por alguns motivos, acho eu. O primeiro deles é porque a maioria das pessoas querem respostas imediatas, soluções práticas para problemas que carregam durante anos. Outro motivo é que não há um consenso de como resolver problemas nem dentro da psicologia – cada teoria vai apostar em um caminho e cada caminho vai produzir inúmeras perguntas. Sim, você leu certo: a psicologia é basicamente movida a perguntas, não por respostas. E aí a gente volta para o primeiro problema.
Ter uma cartilha de certo e errado seria ótimo, mas não é assim que a mente humana funciona. E falar sobre isso não gera engajamento. Se autoconhecer não é um processo de se tornar agressivo para impor seus limites, embora passe por aprender a impor limites. É uma jornada longa, confusa, complicada, com percalços, pausas e quedas que o imediatismo da nossa sociedade não engaja para viralizar.
E é justamente sobre isso que eu gosto de escrever.
Acho que é porque eu sou psicóloga por formação, uma psicóloga lacaniana, ainda por cima, então minhas intervenções são sempre sarcásticas e minhas conclusões são sempre silenciosas. Você não vai encontrar plot twists mirabolantes em meus livros porque eu não acredito nisso – e eu só escrevo sobre o que acredito, embora nem sempre concorde com as decisões que meus personagens tomem ao longo das suas narrativas.
E o que acredito é que a maioria das nossas transformações são lentas e silenciosas. Vamos construindo nossa mudança quase sem ver, no maior estilo “Everything you lose is a step you take”.
O que eu perdi que me fez chegar aqui foi meu pai. E não é atoa que um dos momentos mais delicados, sinceros e dolorosos de Caoticamente Clara é uma conversa dela com seu próprio pai.
Em meu próximo projeto eu vou falar melhor sobre isso, mas aqui vai um spoiler: eu acredito que uma parte nossa é enterrada no instante que a gente enterra nossos pais. Não dá para saber que parte nossa vai ser enterrada, claro, até que a gente enterre. E eu achei que o que tinha enterrado com ele tinha sido minha capacidade de escrever, até que essa premiação me mostrou que na verdade tinha sido minha capacidade de sonhar.
Parecia um sonho estar num evento com autores que eu admirei a minha vida inteira. Como eu disse pra Thalita Rebouças assim que a vi, eu matava aula para ler os livros dela na escola. Acho o Rhuas uma inspiração em muitos sentidos e sou fã do trabalho do Alec, que é de longe meu bookinfluencer preferido. Eles falaram comigo antes e depois da premiação, elogiaram minha escrita cada um a seu modo, se apaixonaram por Clara e seu jeito único.
Caoticamente Clara foi meu primeiro livro escrito inteiro depois que meu pai morreu. Eu tinha certeza de que tinha perdido minha capacidade de escrita e quando me perguntam se o título é uma ironia pelo fato de que Clara é caoticamente clara quando fala, por ser tão literal em um mundo cheio de metáforas, eu digo que sim, sem dizer que também é porque eu escrevi essa história caoticamente, tentando ser clara, tentando entender onde eu me encontraria de novo nas palavras que eu ainda queria dizer, que pareciam um outro idioma desde que meu pai se foi – um idioma que eu ainda não aprendi muito bem.
Os jurados não tinham noção disso, claro. Nem eu mesma tinha tanta noção disso, embora reconhecesse a dificuldade que estava enfrentando. Eu só sei que em um dia eu estava questionando se ainda podia me considerar escritora. E no outro eu estava na Bienal do Livro do Rio de Janeiro ouvindo que sou uma escritora ótima. Tem magia nas palavras que a gente escuta – e principalmente nas que a gente decide cultivar dentro da gente.
Palavras sempre foram mais importantes para mim do que qualquer coisa. Eu me agarro a elas como uma prece silenciosa, um bote salva-vidas que me ergue sempre que caio. Por isso, ouvir tudo o que ouvi naquela premiação foi a coisa mais importante de toda essa jornada.
Chegar tão longe com Caoticamente Clara me mostrou o clichê que eu ignorei por muito tempo: sonhar é privilégio dos vivos. E eu estou viva. E enquanto eu estiver viva, vou continuar escrevendo, que é como eu sou capaz de sonhar. Com a esperança de que, entre um ponto e outro da minha própria narrativa, eu encontre outras pessoas que acreditem no meu sonho – e ecoam minhas palavras quando eu voltar a duvidar.
A gente se ve no próximo livro - mais adulto em todos os sentidos! E entre as crônicas, vamos nos construindo.
oiee, meu bem! nossa, fico tão feliz por uma obra sobre saúde mental ganhar reconhecimento! não tenho mais a pretensão de dizer "espero que a minha vez chegue um dia", pois matei essa parte de mim para o meu próprio bem. não quero impressionar ninguém, não quero mais reconhecimento dos outros - foi justamente isso que fez me perder da minha própria escrita. hoje, quero resgatar a escritora que sou, mas com o propósito de sempre: me expressar, ser eu mesma para quem sou, não para os outros. em outras palavras, quero escrever para mim, sem pressão, sem planos mirabolantes, sem desejos de ganhar algo com isso. é por isso, inclusive, que me volto tanto para as fanfics - para mim, elas são essa liberdade que perdi no mercado literário. sempre tenho que estimar sobre as opiniões alheias, o aceite, o acolhimento; nas fanfics, sou eu por mim mesma. e acho que é por isso que amo tanto escrever sobre saúde mental: é uma parte minha que sempre esteve aqui e que me permite me expressar do meu jeito, sem pensar em um certo ou errado, afinal, não existe jeito certo no sentir. a gente sente e pronto. é claro que, um, há consequências - mas na essência o sentir é universal. enfim, desculpa o textão, sua letter falou demais comigo hihi. obrigada por voltar a sonhar! espero conseguir fazer o mesmo em breve!
Que lindo meu Deus! Te amo muito AFFE